Viagens com os Contos - Deus faz um Tambor

Uma das actividades que está inserida no projecto "Crescer a Brincar...com Histórias de Encantar" denomina-se de Viagens com os Contos.

Esta actividade consiste na leitura de um conto tradicional de outro país ou cultura, incidindo sobretudo nos países lusófonos, e tem como finalidade promover a brincadeira e a criatividade, como também os hábitos de leitura nas crianças que frequentam a Ludoteca "Crescer a Brincar".

O conto cabo-verdiano "Deus faz um Tambor" foi o primeiro a ser lido dentro desta actividade e assim se inicia:

«Uma vez, havia, em Cabo Verde, um homem chamado Lobo que tiha um sobrinho denome Pedro.

Um dia, o senhor Lobo encontrou o tal sobrinho e disse-lhe:

- Ó sobrinho, eu pensava que eras meu amigo, mas agora estou a concluir o contrário, pois há muito tempo que não te aproximas de mim. Vê lá como estás gordo e bonito, mas eu tenho andado por aí a apanhar gafanhotos e a passar fome e, como vês, estou arruinado da minha saúde...

O rapaz respondeu que estava gordo porque tinha descoberto uma mama que lhe dava leite que quisesse...

O tio Lobo ficou curioso e admirado e procurou saber tudo, perguntando: - Ó Pedro, como é que fazes isso?!

-É muito fácil. Quando quero beber leite, digo: mama, baixa e ela desce e depois, quando já estou cheio, digo: mama, riba! e a mama sobe. Assim bebo quanto quero e quando me apetece.

A seguir Pedro, com alguma pena do tio, levou-o a um lugar onde havia muito animais e outras coisas de comida e disse-lhe:- Sente-se, coma o que quiser...

O tio Lobo sentou-se e comeu, comeu, comeu muito...e o Pedro, ao verificar que o tempo tinha passado, disse: - São horas de irmos embora!

O tio, depois de bem comido, disse: - Muito bem, Pedro, tens razão, vamos lá, mas antes dá-me um pouco de água.

O rapaz levou-o à fonte e o tio, depois de ter bebido, disse: Agora, vamos então embora!

No caminho, encontraram uma figueira com bons figos, mas que não podiam ser apanhados por estarem muito altos. Pedro, fazendo referência à altura em que se encontrava aquela fruta, revelou ao tio o seguinte segredo:

- Para se comerem estes figos é preciso dizer à figueira: desce, desce, desce e a árvore desce. Depois diz-se: sobe, sobe, sobe e ela sobe. Quando se quer parar diz-se: pára e ela pára até se comerem quantos figos se quiserem. Depois diz-se novamente: desce e ela desce e deixa-nos no chão.

O senhor Lobo ficou muito contente com aquela revelação e continuaram o caminho até casa. Um dia, o tio do rapaz estava com fome e sentiu vontade de comer figos.

Recordado do que lhe tinha sido revelado, dirigiu-se à figueira e disse-lhe: desce, desce, desce e ela desceu. Depois disse: sobe, sobe, sobe e ela subiu. Quando viu que a árvore já estava direita, disse: pára e ela parou. De seguida, comeu quantos figos quis e ficou satisfeito da vida, pois já não precisava de andar a correr atrás dos gafanhotos para se alimentar.

Mas, quando o senhor Lobo acabou de comer e quis descer, esqueceu-se da fórmula e em vez de dizer: desce, desce, desce, disse sobe, sobe, sobe e a árvore começou a subir até chegar ao céu.

Quando o senhor Lobo lá chegou, Deus disse-lhe: - Que estás aqui a fazer?

O senhor Lobo contou-lhe o que tinha acontecido e Deus decidiu: - Vamos arranjar uma maneira de desceres o mais rapidamente possivel para a tua terra...pega neste bocado de couro, lava-o e torna a trazer-mo. Farei um tambor para ti. Depois vou prender-lhe uma corda e tu montas nele e vais descebdo, descendo, atéchegares à terra. Quando láchegares, tocas o tambor e eu então cortarei a corda. (...)

Depois de ter lavado o couro, o senhor Lobo entregou-o a Deus, que fez o tambor e prendeu-o a uma corda. Depois chamou o pobre homem e disse-lhe: - Atende bem ao que te vou dizer. Agora vais descer...não toques o tambor durante a viagem, mas, quando chegares lá abaixo, tocas então com muita força. Deste modo, eu, ouvindo o som, fico a saber que já lás estás. Depois corto a corda e deixo-te ir.

Ficou tudo combinado, mas, ao descer, o senhor Lobo viu um pássaro azul de bico vermelho com boa comida no bico e, como era guloso, pôs-se a gritar: - Passarinho! dá-me um bocandito da tua comida.

O pássaro olhou bem para o homem e para o tamboe e disse: - Se tocares para mim, nesse tambor, eu dou-te um bocado da minha comida.

- Mas, olha que não posso fazer-te a vontade! Fica sabendo que se eu tocar no tambor, Deus ouve, corta-me a corda, eu caio e morro.

O tal pássaro respondeu-lhe: - Se é isso, então não te dou a comida.

Como o senhor Lobo era muito guloso, imaginou um plano e disse de si para consigo: - Vou aceitar a proposta do pássaro azul, pois, quando estiver perto da terra, chamarei pelo Pedro para ele pôr um colchão e palha no lugar da queda e assim não me magoarei...

Depois, fazendo sinal ao pássaro azul, começou a tocar o tambor. Deus, ao ouvir aquele batuque, pensou que ele já tinha descido e cortou a corda. Imediatamente, o homenzinho se precipitou por ali abaixo e foi descendo, descendo aos trambolhões.

Quando avistou o chão, assustou-se e gritou: - Sobrinho, estou a descer do céu, põe aí, por baixo, um colchão e palha para eu não me magoar.

O pássaro olhou para ele e, vendo-o descer a grande velocidade, bateu as asas e afastou-se, sussurrando: - É preciso saber esperar, pois quem espera sempre alcança. O pecado da gula foi e continua a ser a desgraça de muitas pessoas...este homem vai despedaçar-se.

Por sua vez, Pedro viu o tio a cair, mas não teve tempo de pô o colchão e a palha por baixo...o senhor Lobo lá foi descendo, até se estatelar no chão...

Mais tarde, aquele tambor foi encontrado e serviu de modelo para a construção de muitos tambores africanos».

Fonte: Vale, F. (2004) Histórias Portuguesas e Cabo-Verdianas para Crianças. Instituto Piaget. pp. 95-101.